Estreia Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura: Chá com um cisne
Aprecio chás, sem ter me tornado
uma fã de variações gourmet – nesta
cidade onde agora têm se espalhado lugares não só para beber, mas
principalmente adquirir infusões de misturas surpreendentes e nomes encantatórios.
Minha simpatia é por algo de botica nessas tea
shops, de herbário onde se encontraria cura para todas as doenças do corpo
- e da alma...
Aqui meu personagem é uma
carinhosa brincadeira com um amigo e também homenagem ao mais famoso Nabokov,
adaptado por Kubrick – hoje fantasia onipresente que pode assumir ares de
perversão. Neste meu caro hotel, em vez de um cool jazz, pode tocar “O cisne”, de “O Carnaval dos Animais”, de
Camille Saint-Saëns, na versão com Yo-Yo Ma ao violoncelo. De mood um pouco melancólico, este personagem
pode se sentir parte de outro tempo e lugar, talvez da Viena de Schnitzler,
talvez da Riviera Francesa de Cary Grant e Grace Kelly em “Ladrão de Casaca”.
Boa degustação!
O homem toma um chá. Supostamente revitalizante. Uma mistura
picante de ervas, flores e especiarias orientais. Em um hotel caro da cidade. Em
uma mesa para dois. Um bule para três ou quatro xícaras.
Ele espera.
Ela talvez não venha.
Ele ainda não sabe.
Ele não sabe bem o que quer. Neste momento, só que ela
apareça. Está ficando melancólico. Talvez seja a música. Talvez seja essa
espera. Quando pensa nela. A jovem magra e alta, um pouco cisne. Não. Insistente,
pensa é nele mesmo. Se não está fazendo papel de bobo. Tão moderno, de camisa
cinza e calça preta italiana. Não quando comprou, mas hoje se vestiu para ela, esse
cisne. Ele, de mãos frias de ansiedade. Ele que ainda não leu Nabokov. Tão
óbvio. Talvez em alguns dias.
Depende. De hoje. Do chá.
Se precisar de apaziguamento. E sem, conseguir, claro. É uma
solidariedade à distância. No tempo e no espaço. Como se o personagem pudesse
saber de um tormento que ainda não é o seu. Em breve. Ela, mais jovem que todos
os seus filhos. Os do primeiro. Os do segundo casamento.
Talvez por causa da música, nesse arranjo só para cello, ele pensa em bailarinas. Daquelas
que rodam em caixinhas de música. De longas pernas. Para envolvê-lo.
Não. Não ainda. Quem sabe.
Ele, sentindo-se figura do século 19. Como se em vez de
carro, uma carruagem lá fora. Os cavalos no frio. Ele sentado, acariciando a
barba bem aparada. O tempo largo, larguíssimo. Espera, sem pressa. E com calma,
come alguns dos petit-fours. De
formatos variados. Deixa para ela os que têm um pedaço de cereja. Mais delicados.
Como ela, de pele tão branca, de cabelos até o meio das costas. Se personagem,
ele acenderia uma cigarrilha, um cachimbo. Não agora. Sem fumar há mais de uma
década. O pulmão, a pressão, o coração. Agora. Um pouco mais acelerado.
É ela.
Ele disfarça, mas não esconde o sorriso. Quer tanto parecer
casual. Ela pede desculpas. Está atrasada e descabelada. Saiu correndo pela
rua. Ele acha graça. Tanta. E oferece chá. Não mais tão quente. Ela não espera
o garçom. À vontade, bebe da xícara dele mesmo. Hum. Delicioso, tão perfumado.
Ele sorri. Um pouco Cary Grant. Quem? Ela é jovem demais para saber.
Pouco
importa.
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